Wilson de Menezes Cyrillo
Em meio ao ritmo acelerado das cidades, os sem-teto se tornam quase invisíveis. Eles estão nos semáforos, nas praças, debaixo de marquises, vivendo entre o concreto e a indiferença. São homens, mulheres, crianças e idosos que enfrentam diariamente a exclusão social, a fome, a violência e o frio, enquanto a maioria da sociedade apenas desvia o olhar.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Brasil tinha, em 2023, cerca de 227 mil sem-teto espalhados pelas ruas do país. Esse número dobrou em comparação aos últimos dez anos, o que mostra o agravamento desse grave problema social que afeta nossas cidades.
As causas que levam alguém a se tornar um sem-teto são complexas e multifatoriais. O desemprego, a falta de acesso à educação, a violência doméstica, a dependência química, os problemas de saúde mental e os desastres familiares são apenas algumas das razões que levam uma pessoa a perder sua moradia.
É comum ouvir julgamentos simplistas sobre os sem-teto, como se a situação de rua fosse resultado exclusivo de “más escolhas”. Esse pensamento ignora as estruturas sociais desiguais e a falta de redes de apoio para superar obstáculos. Na realidade, ninguém escolhe ser sem-teto: é uma consequência de vulnerabilidades profundas e cumulativas.
As cidades, muitas vezes, falham em oferecer respostas eficazes para os sem-teto. A construção de abrigos, embora necessária, é insuficiente sem políticas públicas que promovam a reintegração social, programas de capacitação profissional e acesso real à moradia digna e estável.
Em vez de ações contínuas, o que vemos em relação aos sem-teto são campanhas pontuais, como distribuição de cobertores no inverno ou entrega de marmitas em datas comemorativas. Essas iniciativas são importantes, mas não atacam a raiz do problema que mantém milhares de pessoas nas ruas.
A pandemia de Covid-19 e as recentes crises econômicas agravaram ainda mais a situação dos sem-teto. Muitos perderam seus empregos informais e foram empurrados para a rua, onde a vulnerabilidade se torna ainda mais cruel e a esperança de recomeço cada vez mais distante.
O crescimento do número de sem-teto expõe a fragilidade dos nossos sistemas de proteção social. Sem políticas públicas consistentes de moradia popular, saúde mental, combate à dependência química e inserção no mercado de trabalho, a tendência é que esse contingente continue a aumentar.
O olhar da sociedade para os sem-teto também precisa mudar. A indiferença alimenta a exclusão. Precisamos ver além da aparência e reconhecer a humanidade de cada pessoa que vive essa realidade tão dura.
As crianças sem-teto, em especial, são vítimas de um futuro quase roubado. Sem acesso garantido à educação, saúde e segurança, elas têm suas oportunidades de desenvolvimento severamente comprometidas, perpetuando o ciclo da pobreza.
Para os idosos sem-teto, a situação é ainda mais dramática. Muitos sofrem com doenças crônicas, falta de atendimento médico e violência urbana, enfrentando a velhice sem a dignidade que deveriam ter assegurada.
Romper o ciclo de exclusão dos sem-teto requer mais do que boa vontade: exige compromisso político, investimentos sociais, urbanismo inclusivo e, acima de tudo, empatia. São necessárias políticas de habitação de interesse social, programas de saúde mental e assistência jurídica para garantir direitos básicos.
Os sem-teto não precisam apenas de doações pontuais. Eles precisam de oportunidades reais de reconstrução de suas vidas: emprego, moradia, educação e acolhimento. A dignidade não pode ser algo reservado apenas a quem tem endereço fixo.
É fundamental também fortalecer iniciativas comunitárias que atuam diretamente com a população sem-teto. Projetos sociais, movimentos de moradia e centros de acolhimento têm um papel decisivo no resgate da cidadania dessas pessoas.
Cada sem-teto carrega uma história de vida que merece ser ouvida. A empatia e o reconhecimento dessas trajetórias são essenciais para quebrarmos a barreira da indiferença que muitas vezes isola ainda mais quem já perdeu tanto.
As cidades precisam ser projetadas para todos, inclusive para os sem-teto. Isso inclui espaços públicos acessíveis, políticas de redução de danos e programas de apoio contínuo para que essas pessoas tenham a chance real de reiniciar suas jornadas.
Ignorar os sem-teto é perpetuar uma sociedade injusta e desigual. Enfrentar essa realidade exige coragem coletiva, vontade política e a construção de pontes entre as pessoas e os serviços que podem mudar suas vidas.
Quando cruzarmos as ruas e virmos um sem-teto, que possamos lembrar: ali existe um ser humano, alguém que precisa de uma nova chance, alguém que tem direito à vida digna como qualquer outro cidadão.
As cidades serão verdadeiramente humanas apenas quando nenhum sem-teto for considerado invisível. Nenhuma sociedade pode se considerar justa enquanto seus membros mais vulneráveis continuarem sendo deixados à margem.
Por isso, o desafio que se impõe é coletivo: que cada um de nós, em nossas possibilidades, seja parte ativa na luta por cidades mais justas, humanas e acolhedoras para todos — inclusive para os sem-teto.
Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) — Nota Técnica nº 93: “Estimativas da População em Situação de Rua no Brasil”, 2023.
SemTeto #InclusãoSocial #DireitoAMoradia #Humanidade #CidadeParaTodos